prece à santa dimpna

lydia spin
2 min readOct 13, 2024

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desde que me entendo por gente sinto minha vida moldada por uma força invisível, um conjunto de regras que pareceram descer dos céus para minha cabeça com os dez mandamentos. superstições e fobias que tornaram minhas experiências extremamente limitadas. assim como uma pobre tartaruga presa em um pedaço de lixo, eu cresci deformada pela minha própria cabeça, errada de maneira irreversível, com todos meus órgãos internos em lugares onde não deveriam estar, e com a integridade do meu casco protetor defasada. ainda assim, eu comparo meu ritmo com de meus supostos semelhantes, tartarugas que cresceram sem um cinto de arame preso na cintura. e eu fiquei muito pra trás.
meu cérebro uma bomba relógio, a o invés de uma massa com sulcos é um emaranhado de cabos coloridos soltando faíscas. a tela da contagem regressiva fica escondida e só se ouve o tic tac do relógio. vez ou outra o alarme soa e eu preciso descobrir rápido qual dos milhares fios preciso cortar, e nessa confusão acabo dando ainda mais nós no sistema.
meu coração um rabo de lagarto. eu sou prometeus reencarnado, mas o órgão exposto é o coração. e vivo num ciclo eterno de tê-lo devorado por carniceiros e dolorosamente regenera-lo à céu aberto, só para ser destroçado de novo. até o dia que eu finalmente consiga me curar o bastante para fechar a ferida aberta, o buraco na costela que leva até meu coração. já percebi que ninguém vai fazer esse curativo por mim.
de quem é a culpa isso pouco importa, não há tempo a perder correndo atrás disso, e o que foi feito não pode mais ser desfeito. o que me consome durante noites em claro é como vou fazer para consertar anos de dano, e se algum dia vou conseguir viver em sociedade me sentindo um ser humano normal. animais selvagens resgatados de cativeiros, mesmo depois de reabilitados, raramente sobreviveriam em seu habitat natural.
o que eu precisarei fazer? até onde consigo chegar? quanto tempo eu ainda tenho? eu preciso tomar as rédeas da minha vida e tentar construir algo para mim, mesmo com a base tão frágil e deficiente. e cada vez mais calendário se torna uma sentença de prisão perpétua numa vida que eu nunca escolhi para mim mesma.

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Written by lydia spin

designer de tragédia desde 1997

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