fantasia de mulher (ou duas crianças num sobretudo)
todos os dias eu tento ser uma mulher de 27 anos, mas o máximo que consigo é ser uma menina de 17 carregando uma de 10 nas costas - e não engano ninguém. nos outros dias, nem ao menos consigo ser humana. eu sou uma falha, sou um buraco no asfalto coberto com fita crepe, um erro grotesco. na rua eu sinto os olhares facilmente me lendo, o meu disfarce de gente não parece convencer ninguém desde que eu era pequena.
ninguém acredita que eu sou uma mulher de 27 anos, a questão é que eu também não acredito. nunca quis deixar de ser criança e venho relutando largar o osso por todos esses anos... num piscar de olhos, cheguei aqui. arrastada, contra minha vontade, e agora sou uma adulta torta e deformada.
a única coisa que tenho de adulta é a idade, e alguns cabelos brancos. as vezes sinto que os melhores anos da minha vida já passaram e eu não estava presente. sei que devia estar no ponto alto da minha vida, mas se esse for o ponto alto, onde será o ponto baixo então? na fossa de Mariana?
desde pequena estou sozinha, fico sozinha, falo sozinha. as vezes acho que só existo dentro da minha própria cabeça, mas talvez eu seja apenas uma árvore caindo sozinha na floresta. será que algum dia eu vou responder alguém que não seja eu mesma?
ha pelo menos 10 anos tenho assistido enquanto meus melhores momentos se tornam memórias e o caminho à minha frente só leva a um deserto escasso e sem fim. dunas e mais dunas de solidão e melancolia dançam no horizonte sob um sol escaldante e imóvel, estou passando pela tortura do inferno ainda em vida. depois de tanto tempo você vê que não existe luz no fim do túnel - no máximo algumas tochas acesas no caminho para que você não perca totalmente a sanidade.